A Art Nouveau, foi um movimento de arte e design que floresceu na Europa e nos Estados Unidos durante a virada do século 19, entre 1880 e 1910. Com sua estética marcante, favorecia linhas fluidas, explorando e criando designs orgânicos e assimétricos, unindo de forma ousada estrutura e ornamentação. Profundamente inspirado na natureza, explorando caules, flores e asas de insetos, o movimento buscava romper com as tradições clássicas, visando uma “obra de arte total” (Gesamtkunstwerk) que integrasse diversas disciplinas artísticas, desde a arquitetura e mobiliário até a vidraria e joalheria.
Nesse período, destacaram-se artistas como, Antoni Gaudí, Aubrey Beardsley Alphonse Mucha, René Lalique com sua arte e joias inovadoras e icônicas, Gustav Klimt, reconhecido por suas pinturas com detalhes dourados, assim como Louis Comfort Tiffany e sua maestria na vidraria, entre outros. Há obras emblemáticas como The Peacock Skirt e The Kiss, mas acredito que a Casa Batlló de Antonio Gaudí, da fachada aos objetos e móveis decorativos, seja uma das melhores representações de toda beleza visual e complexidade artística do estilo amplamente difundido na época.
Há algo curioso sobre esse movimento que acredito trazer reflexões interessantes para a atualidade, considerando a rápida ascensão da Inteligência Artificial em múltiplas áreas, incluindo a das Artes como um todo.
O nascimento do movimento Art Nouveau, de certa forma, foi uma resposta artística e crítica aos produtos industrializados. O movimento Art Nouveau é considerado um desdobramento do Arts and Crafts Movement, que, por sua vez, foi interpretado por muitas pessoas como uma reação ao crescente desenvolvimento e difusão da industrialização e da produção massiva empregada nas fábricas em toda a Europa. Uma resposta direta às características desumanizadoras das condições e padrões da produção proposta pelo novo modelo de industrialização.
De certa forma e em determinada medida, os dois movimentos compartilhavam preocupação com os efeitos negativos da industrialização descontrolada, como a desumanização e a natureza alienante e despersonalizante do trabalho das linhas de montagem em comparação ao trabalho de um artesão. Assim como a perda da qualidade e estética devido às padronizações e à falta de atenção e cuidado com a beleza e qualidade artesanal.
Artistas da Art Nouveau, seguindo os princípios do Arts and Crafts, lutaram contra a ideia de que deveria haver uma superioridade da arte fina em relação às artes decorativas. Eles buscavam melhorar a vida das pessoas criando produtos esteticamente agradáveis, incorporando a arte no cotidiano. Trata-se da busca por beleza e qualidade em objetos do dia a dia, que se difere da uniformidade e, por vezes, da falta de apelo e cuidado estético dos bens produzidos em massa.
O movimento também defendia a ideia de Gesamtkunstwerk (obra de arte geral), buscando uma integração das belas-artes, onde design, arquitetura, mobiliário, joias e outros objetos utilitários eram imaginados dentro de um contexto artístico holístico com sinergias e harmonia entre as disciplinas.
Essa ideia de integração artística em um ambiente harmonioso e unificado era uma forma de combater a fragmentação, padronização e especialização impostas pela lógica industrial. Pois, na visão dos integrantes do Art Noveau, cada elemento deveria ser uma peça ou obra de arte, projetada com todo cuidado e, idealmente, feita à mão.
Outro ponto levantado pelo movimento, foi a valorização do gênio criativo e da Individualidade. Os designs orgânicos, fluidos e muitas vezes assimétricos, criados pelos artistas desse movimento enfatizavam a originalidade e a expressão pessoal, algo que a produção em larga escala tendia a suprimir.
A Art Nouveau não foi uma rejeição completa da industrialização, mas sim uma tentativa de humanizar o design, elevar a estética e a qualidade dos produtos e reintroduzir o valor da criatividade individual e do artesanato em uma era dominada pela máquina.
Estariamos à beira de um novo movimento como o Art Neuveau, uma vez que os avanços da AI seguem como um trem sem freios em meio a uma guerra fria tecnológica ?
A Inteligência Artificial chega trazendo uma nova revolução a humanidade, e a soberania nessa tecnologia torna-se assunto de segurança nacional entre grandes potências globais.
Essa inovação e criação tecnológica traz um impacto tão profundo quanto ou maior do que o causado pela revolução industrial, mexendo com aspectos sociais, econômicos, íntimos e existenciais do ser humano. A engenhosidade e criatividade humana nos trouxeram o desenvolvimento e domínio do fogo, a agricultura, pecuária, das Artes e de ferramentas e máquinas que substituíram a força física e o trabalho mecânico, mas nunca havíamos chegado tão perto de automatizar o cognitivo humano que é um valor central de nossa espécie, caso a AGI ou super AI se concretizem.
Os movimentos artísticos que contestaram a Revolução Industrial apresentaram pontos com fundamentos pertinentes e aplicáveis ao atual momento artístico frente à ascenção da Intelegiencia Artifical.
A Inteligencia Artificial, certamente trará inúmeras conquistas para o bem da humanidade em termos de evolução na cura de doenças, no desenvolvimento de novos materiais sustentáveis, na compreensão do universo, da física quântica, da própria história da humanidade, decifrando textos antigos e complexos, e até mesmo na resolução de conflitos de grande complexidade, entre outros. Entretanto, sua presença em determinadas formas, assim como na época da Revolução Industrial, desumaniza o trabalho, fomenta a alienação, enfraquece ou elimina a expressão pessoal o “handmad intelectual” , e a qualidade artesanal que, dependendo do ponto de vista, no campo artístico em relação à AI, também se perde.
Um artista que escreve um grande romance, ou que compõe e produz um álbum musical, que pinta uma série de quadros realistas para uma exposição, ou que dirige um filme inovador e épico, vive, na maioria das vezes anos em uma jornada singular enriquecedora, com erros e acertos, em meio a pesquisas, experimentações, estudos, ajustes, reflexões. Muita prática no caminho, muitas alegrias, novas ideias ou frustrações, muito trabalho, realização e satisfação. As vezes buscando estimulos as vezes introspecção. Jornada intelectual e emocional que resulta em obras originais e uma qualidade intrínseca humana que uma AI apesar de eficiente não pode replicar.
Existe um conceito filosófico japonês chamado Wabi-Sabi que valoriza e celebra a beleza das imperfeições existentes em tudo que é feito à mão, dando um caráter único a um objeto ou arte.
Tipo de coisa praticamente inexistente, quando um robô, por exemplo imprime um desenho geométrico perfeito gerado por uma AI em um vaso ou qualquer outra superfície e objeto, exceto se for programado para isso.
Um livro, uma música, um quadro, um desenho ou poesia, seja qual for a arte ou criação humana, fazem parte de um processo e conjunto de emoções, experiências, sentimentos, conhecimentos e conexões únicas das pessoas que as criam, e o valor e a emoção carregados por essas condições humanas singulares nunca serão substituídos. Nem mesmo por uma futura super AI.
A criação desse próprio artigo carrega tais ideias em alguma proporção. Tive um contato mais próximo com o movimento Art Nouveau durante uma pós graduação em design de joias e ourivesaria na PUC-RIO em 2010, e o que me fez manter viva essa memória foi o fato de, na época, ter achado bem interessante descobrir que esse movimento artístico foi de certa forma, uma resposta e olhar crítico para a até então considerada, por muitos, a maior revolução de todos os tempos. Cheguei a imaginar um artista empenhado, com entusiasmo, trabalhando manualmente aquelas belas formas orgânicas com satisfação, criando texturas e detalhes como pequenas esculturas, que compõem muitos móveis e joias da época, pensando com ele mesmo. – Quero ver uma máquina fazer isso! Essa memória e experiência específicas foram fundamentais para a criação desse artigo.
Utilizo a assistência de AI em geração de imagens, vídeos e artigos, esse próprio artigo foi revisado por uma AI. A imagem vinculativa, assim como as demais imagens do nosso blog, são frutos de uma visão humana e descrições claras de prompts, executada artisticamente por uma AI, resultando em uma cocriação entre homem e AI de maneira em que o humano ainda preserva o seu valor intelectual. Seria esse um exemplo ponderado de utilização da IA?
Em uma visão, especialmente direcionada ao campo artístico, mas podendo se estender para outros campos, acredito que o 100% handmade e agora, 100% mindmade, deveriam ser mais valorizados pele sociedade pelos traços únicos de uma criação humana aqui mencionados e pela seguinte razão:
Não sabemos mais andar em uma cidade sem GPS, não exercitamos a memória já que tudo está salvo e bem guardado na nuvem, a conta é na calculadora, o dever de casa ou o projeto de trabalho é no chat GPT, a relação é por mensagem, a reunião por vídeo, o entretenimento e ou adoecimento via mídias sociais. Um estudo recente publicado na revista Societies e reportado pela Forbes.com.br, já sugere que a inteligência artificial pode estar diminuindo a capacidade cognitiva humana, principalmente devido ao fenômeno de “descarregamento cognitivo”.
Assim como a Art Nouveau não foi uma rejeição completa da Revolução Industrial, não se trata de uma negação da AI e da tecnologia, inclusive, conforme mencionado, ela está integrada no nosso projeto. Trata-se de um olhar humanizado em torno de um tema para o resgate e preservação do próprio humano.
O que está por vir em termos de avanços tecnológicos poderá gerar uma reconfiguração negativa do ser humano ou uma reconfiguração do seu significado na sociedade.
Há quem olhe para a destruição há quem olhe para as democratizações, melhorias em muitos setores e abundância. Devemos agir pelo melhor exigindo cautela e responsabilidade no desenvolvimento das AI´s, pois há questões de segurança, ética e moral que não devem ser tratadas de forma leviana. Assim como devemos ser cautelosos e responsáveis na sua utilização.
Estaremos nos autossufocando no vácuo da alienação, da dependência tecnológica, no vazio de atividades mais rasas e artificiais, distantes das emoções, sentimentos, experiências e conexões da vida, ou estamos a caminho de um tipo de libertação? Com a oportunidade de ganhar mais autonomia, de empreender, montando times virtuais, delegando para IA, otimizando processos burocráticos, ganhando tempo para a família, para literatura, esportes, hobbies e para a arte em seus 100%?
Mais tempo e recursos para criar e produzir manualmente um brinquedo com os filhos, cuidar da própria horta ou ter a liberdade para viver e trabalhar de diferentes lugares sem perder produtividade. E se enquanto um agente de AI trabalha, em uma atividade cognitiva mecânica, você estuda vive novas experiências e explora novos olhares em busca de possíveis caminhos para uma nova realidade que está por vir? Resgatando ou mantendo a curiosidade e engenhosidade que nos moveu até então, com mais tempo de qualidade perto de quem amamos, cultivando relações profundas, vivências, aventuras e sentimentos únicos que fazem a arte ser arte e o humano ser humano.
Afinal, em que nos tornaríamos se deixássemos de viver experiências presentes e reais, se perdêssemos o pensamento crítico, a capacidade de memorizar, resolver problemas, de desenvolver relações sociais saudáveis, de expressar sentimentos, ideias ou críticas pessoalmente, através da literatura, música ou arte?
Fontes:
https://www.artchive.com/art-movements/art-nouveau