No rastro da discussão sobre o que são a Inteligência Artificial Geral (IAG) e a Singularidade, surge uma pergunta fundamental que ecoa nas mentes de pesquisadores, futuristas e do público em geral: quando, de fato, a inteligência artificial será capaz de substituir 100% do trabalho cognitivo humano?
Esta é uma questão de imenso impacto, e para tentar projetar tal resposta, o pesquisador criou um modelo matemático que continua funcional e relevante: o Modelo de Decolagem Completa (MDC). Ele permite a inserção de seus próprios dados para a exploração de cenários, e compartilharemos o link para essa ferramenta ao final deste artigo. Mas antes, vamos entender os princípios desse modelo e ver como ele se encaixa no panorama das previsões para a IAG, considerando também os desafios inerentes a essa jornada.
Os Grandes Desafios no Caminho para a IAG
Embora a pesquisa em Inteligência Artificial (IA) tenha visto avanços exponenciais, especialmente com os Grandes Modelos de Linguagem (LLMs), a jornada para a Inteligência Artificial Geral (IAG) enfrenta barreiras significativas que transcendem o mero aumento do poder computacional. Esses obstáculos fundamentais são amplamente discutidos por cientistas e especialistas [AIMultiple, 2024]:
Múltiplas Previsões para um Futuro em Transformação
As estimativas para a chegada da Inteligência Artificial Geral (IAG) e da singularidade tecnológica variam drasticamente entre empreendedores, pesquisadores e a comunidade, refletindo um campo em constante evolução e debate.
Otimismo Acelerado (Décadas de 2020 e 2030): Empreendedores e visionários lideram as projeções mais ousadas. Elon Musk e Dario Amodei (Anthropic) apontam para 2026 [Fonte: AIMultiple], seguidos por Jensen Huang (Nvidia) em 2029 [Source: AIMultiple]. Ray Kurzweil, que revisou suas estimativas, agora prevê a IAG para 2032 [Fonte: AIMultiple]. Já Sam Altman (OpenAI) e Demis Hassabis (DeepMind) vislumbram o marco por volta de 2035 [Fonte: AIMultiple]. A comunidade Metaculus também demonstra otimismo, projetando o primeiro sistema de IA “geral” para 2030 [Fonte: AIMultiple].
Perspectivas dos Pesquisadores (Décadas de 2040 e 2060): A comunidade de pesquisa em IA adota uma postura mais conservadora. Amplas sondagens, como as do AI Impacts, indicam uma probabilidade de 50% para a IAG entre 2040 e 2061 [Fonte: AIMultiple], com estimativas variando de 2040 (pesquisa de 2023) [Fonte: AIMultiple] a 2059 (pesquisa de 2022) [Fonte: AIMultiple].
O Ceticismo e a Complexidade: Nem todos compartilham o mesmo entusiasmo. Cerca de 21% dos especialistas em uma pesquisa de 2019 acreditam que a singularidade jamais ocorrerá [Fonte: AIMultiple]. Cientistas como Yann LeCun (Meta AI) argumentam que o mero escalonamento dos modelos de linguagem atuais não será suficiente para alcançar a inteligência em nível humano, defendendo a necessidade de novas arquiteturas para uma inteligência verdadeiramente geral [Fonte: AIMultiple].
Em síntese, o debate sobre a IAG oscila entre o potencial do escalonamento computacional e a urgência de descobertas algorítmicas radicais, com a definição e medição do progresso sendo desafios centrais.
O Modelo de Decolagem Completa (MDC) de Tom Davidson: Uma Análise Quantitativa da Velocidade da IAG
Em meio a essas diversas previsões e estimativas, o Modelo de Decolagem Completa (MDC), desenvolvido por Tom Davidson e detalhado no artigo da Open Philanthropy, oferece uma perspectiva notavelmente quantitativa e estruturada sobre a velocidade com que a Inteligência Artificial Geral (IAG) pode emergir. Apesar de ser fundamentalmente centrado na capacidade computacional — uma premissa que contrasta com outros desafios mais conceituais e não-computacionais da IAG —, o MDC é valioso por projetar o tempo que levará para a IA passar de uma automação parcial para a automação total das tarefas cognitivas.
Especificamente, o modelo considera a transição de um ponto em que a IA é capaz de automatizar cerca de 20% das tarefas cognitivas humanas (um ponto hipotético de “impacto massivo”, mas que não representa o estágio atual das inteligências artificiais) para a automação total (100%) dessas tarefas. Esta abordagem computacional visa mapear a “distância” e a “velocidade” de desenvolvimento. Ao considerar o progresso de software, hardware e o investimento em treinamento de IA, o MDC oferece uma linha do tempo para a “decolagem” da IAG, destacando-se por seu foco em um aspecto mensurável em um campo de muitas incertezas. Ele atua como um complemento valioso às discussões mais amplas sobre a IAG, não excluindo outros desafios, mas sim provocando o debate sobre como essas questões complexas podem, eventualmente, ser traduzidas e escaladas computacionalmente, tudo isso dentro de seu framework específico [Open Philanthropy, What a Compute-Centric Framework Says About Takeoff Speeds, 2023].
Segundo estimativas de Davidson em 2023, as inteligências artificiais disponíveis atingiam uma capacidade inferior a 1% em tarefas cognitivas generalistas. Esse dado contrasta significativamente com relatórios como o da McKinsey & Company (2023), que, em seu estudo “The Economic Potential of Generative AI: The Next Productivity Frontier”, avaliavam que a IA generativa tinha o potencial de liberar entre 20% e 40% das horas de trabalho (ao automatizar atividades que consomem 60% a 70% do tempo dos funcionários) — uma análise mais ampla, focada em tarefas específicas e menos complexas [McKinsey & Company, The Economic Potential of Generative AI: The Next Productivity Frontier, 2023]. Essa diferença reflete a abordagem distinta entre os dois estudos: Davidson se concentra no progresso rumo à cognição generalista, enquanto a McKinsey mede impactos econômicos baseados em automações de atividades delimitadas, como processamento de dados ou suporte ao cliente.
O Modelo de Decolagem Completa: Como a IA Cresce
Aprofundando nos princípios que regem o Modelo de Decolagem Completa (MDC), desenvolvido por Tom Davidson, este segmento explora como ele projeta o futuro da IA e da economia. Embora fundamentalmente centrado na capacidade computacional, o MDC utiliza princípios econômicos para calcular o tempo necessário para a transição de uma automação parcial para a automação total, integrando insights sobre o avanço da IA com modelos econômicos de automação.
O MDC parte de uma visão centrada na capacidade computacional:
Medindo a “Distância” e a “Velocidade” da Transformação
Davidson define a “distância” a ser percorrida como a lacuna de FLOPs efetivos. Essa lacuna representa o quanto mais de poder de processamento efetivo é necessário para treinar uma IAG (que significa 100% de automação das tarefas cognitivas em todos os setores da economia) em comparação com uma IA que automatiza apenas 20% dessas tarefas. A melhor estimativa de Davidson para essa lacuna é de aproximadamente 4 ordens de magnitude (ou seja, 10.000 vezes mais computação efetiva), embora possa variar de 1 a 8 ordens de magnitude.
A “velocidade” com que essa lacuna é transposta depende de três fatores cruciais:
O MDC simula como esses fatores evoluem, considerando o aumento dos investimentos humanos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de software e hardware, e também como a própria IA pode acelerar a automação em diversas áreas da economia. O modelo prevê que, à medida que a IA avança e automatiza mais tarefas, o crescimento do software, do hardware e do Produto Interno Bruto (PIB) — a soma de todos os bens e serviços produzidos — acelerará cada vez mais.
Resultados Surpreendentes do MDC:
Para lidar com a incerteza dos parâmetros, Davidson realizou uma análise de Monte Carlo, simulando o modelo milhares de vezes. Os resultados são notavelmente mais rápidos do que muitas das previsões de especialistas, principalmente devido à consideração da aceleração de sistemas de IA pré-IAG e do crescimento acelerado do investimento.
A previsão mediana do modelo para a velocidade de decolagem é notavelmente mais rápida do que muitas das estimativas de especialistas. Davidson estima que, uma vez que a IA atinja o marco de 20% de automação das tarefas cognitivas humanas — um ponto de inflexão onde a IA se torna uma força transformadora e amplamente presente na economia geral —, seriam necessários apenas 3 anos para que ela alcançasse a automação total dessas tarefas, atingindo assim o nível de Inteligência Artificial Geral (IAG) [Davidson, 2023].
Mais impressionante ainda é a projeção da transição da IAG para a superinteligência. É fundamental entender que, enquanto a IAG se refere à inteligência artificial de nível humano (capaz de realizar qualquer tarefa cognitiva humana), a superinteligência é um conceito que a transcende, descrevendo uma IA que supera significativamente a capacidade intelectual humana em praticamente todas as áreas, incluindo criatividade científica, sabedoria geral e habilidades sociais [Bostrom, 2014]. Davidson prevê que essa transição da IAG para a superinteligência poderia ocorrer em menos de um ano [Davidson, 2023]. Essa velocidade surpreendente se explica pela capacidade de uma IAG de auto-aprimoramento recursivo: uma vez que ela atinja o nível humano, seria capaz de impulsionar a pesquisa e o desenvolvimento de software e hardware de forma exponencial, acelerando seu próprio avanço a níveis sem precedentes em um curtíssimo espaço de tempo.
Outro insight crucial é a possibilidade de trocar FLOP de treinamento por FLOP de tempo de execução (runtime). Isso sugere que, em vez de treinar um modelo massivamente, pode-se treinar um modelo menor e permitir que ele “pense” por mais tempo para alcançar o mesmo desempenho. Essa estratégia pode reduzir os requisitos de treinamento para automação completa em até 1.000 vezes, potencialmente encurtando ainda mais os prazos para a IAG [Davidson, 2023].
Apesar de sua abordagem quantitativa e dos prazos mais curtos que projeta, o modelo de Davidson, como qualquer modelo, possui suas limitações. Ele assume, por exemplo, que o progresso da IA é contínuo e centrado na computação, e que não há lags significativos entre o desenvolvimento da IA e sua implementação prática. Fatores como a disponibilidade de dados de alta qualidade, a necessidade de novos paradigmas algorítmicos ou a lenta realocação de talentos humanos não são totalmente modelados, e poderiam potencialmente desacelerar os prazos [Davidson, 2023].
Contudo, o estudo de Davidson oferece uma perspectiva poderosa e quantitativa. Ele nos força a confrontar a possibilidade de que o futuro da IA, em termos de automação cognitiva, pode chegar muito mais rápido do que a maioria das pessoas imagina.
👉 Para explorar os resultados e experimentar com os parâmetros do Modelo de Decolagem Completa de Tom Davidson, um ambiente interativo está disponível em: https://takeoffspeeds.com/playground.html
O debate sobre o cronograma da Inteligência Artificial Geral (IAG) e da superinteligência é tão vasto quanto complexo. Vimos que as previsões variam de otimistas a céticas, de horizontes iminentes na década de 2030, como proposto por Ray Kurzweil (2032), a projeções mais conservadoras que apontam para o final do século, como sugerido por parte dos cientistas da computação. As sondagens de especialistas, por sua vez, mediam essa discussão, apontando para o meio do século XXI como um consenso para a chegada da IAG (2050-2060).
Nesse cenário de opiniões diversas, o Modelo de Decolagem Completa (MDC) de Tom Davidson emerge como uma análise quantitativa contundente. Suas projeções para a velocidade da “decolagem” da IA são notavelmente aceleradas e, em suas estimativas, a própria chegada da IAG pode ocorrer antes da média das previsões de especialistas. A transição de 20% a 100% de automação cognitiva em apenas 3 anos, seguida pela potencial emergência da superinteligência em menos de um ano, força-nos a encarar a possibilidade de que o futuro da inteligência artificial pode estar se desenrolando a uma velocidade muito maior do que a nossa capacidade de conceber.
Independentemente de quando a Inteligência Artificial Geral se tornará realidade, estamos às portas de uma transformação sem precedentes. A possibilidade de máquinas replicarem ou superarem as capacidades humanas desafia nossa compreensão da própria cognição, levantando questões filosóficas e promovendo debates sociais, éticos e morais. Esse avanço cria novos horizontes e desafios para a humanidade.
Ao longo da história, inovações como o domínio do fogo, a agricultura, a Revolução Industrial e a internet redefiniram continuamente nossa relação com o mundo. Contudo, a ascensão da inteligência artificial promete algo ainda mais profundo: o maior impacto já causado por uma inovação na humanidade. Não será apenas uma ferramenta que utilizamos, mas sistemas que pensam, aprendem e criam, ampliando os limites do que significa ser inteligente e impactando diretamente todos os campos — sociais, científicos, políticos e econômicos.
Como será o mundo quando esses marcos na pesquisa e desenvolvimento das IAs forem alcançados?
Desde já, a IA impacta profundamente o trabalho, a produção, os serviços, a sociedade e a economia. Sua presença se estende da elaboração de medicamentos e materiais ao design de aeronaves, da logística ao atendimento ao consumidor, e dos setores artísticos ao entretenimento. E esta transformação está apenas em seu estágio inicial. A curiosidade e o pensamento crítico que nos trouxeram até aqui serão agora essenciais para navegar um futuro onde a mente, em suas mais complexas funções, também encontra sua automação. Esta é a primeira parte de uma série de artigos em que aprofundaremos as discussões sobre os rumos da Inteligência Artificial, suas implicações para o futuro da sociedade e da humanidade, seus desafios e oportunidades. Acompanhe nossas próximas publicações sobre um dos temas mais relevantes e importantes da atualidade.
Fontes: