Duolingo é um aplicativo auxiliar para prática e iniciação em aprendizado de idiomas. Seu modelo é gamificado, em outras palavras, se parece com um jogo em que ao completarmos tarefas, passamos de fase e avançamos para o próximo desafio. Uma lição ou uma fase normalmente é concluída por volta de um a cinco minutos, dependendo do aluno ou jogador. Novas palavras são apresentadas repetidamente em diferentes contextos. Os microexercícios variam, passando por combinações de palavras, interpretações de pequenos diálogos, repetições de áudios curtos ou na forma de frases incompletas para que sejam preenchidas pelo usuário, entre outros modelos de tarefas. A dificuldade aumenta gradativamente conforme o aluno completa as lições e progride no jogo. Os praticantes acumulam dias de ofensivas – ou seja, dias consecutivos de prática e uso da plataforma – e são posicionados em um ranking dinâmico entre os usuários, o que os mantém desafiados e motivados. Muitos alcançam a marca de um, dois ou mais anos de práticas diárias consecutivas. No final do ano, você recebe uma apresentação com um resumo do seu desempenho no período. Com indicações do número de palavras que foram aprendidas, conquistas e premiações, horas de estudo acumuladas, dias de ofensiva, entre outros dados. A ferramenta não substitui um professor qualificado de inglês ou de qualquer outro idioma, mas seu conceito e utilização podem trazer uma lição importante para a vida em termos de disciplina, consistência, superação de desafios e crescimento pessoal. O interessante é observar o quanto se pode evoluir após um ano com pequenas lições diárias de 5 a 15 minutos, pensar na aplicação desse modelo e regularidade em outros pequenos hábitos positivos e nos grandes benefícios a médio-longo prazo que isso pode nos gerar.
Uma pessoa, distante de sua forma e saúde corporal ideal, que resolve entrar na academia e se exercitar por uma hora e meia quatro a cinco vezes por semana, irá se deparar com um desafio enorme. Geralmente ela perde a consistência, motivação e força de vontade no caminho. Imagine se propor a fazer 80 flexões de braço todas as manhãs a partir de agora. Com motivação inicial e tendo algum preparo, talvez alcance a meta nos primeiros dias, mas é comum observar sua força de vontade diminuir após algum tempo. Naturalmente, grandes esforços impactam nossa força de vontade. O mesmo acontece com dietas rigorosas demais ou na resolução de um grande problema. É bem mais exequível iniciar uma nova dieta com pequenas mudanças do que alterar a dieta completamente do dia para noite. Em relação aos grandes problemas, aumentamos as chances de nos paralisar diante deles se pensarmos no problema como um todo e em sua grandeza. Entretanto, se fatiarmos esse problema enorme em pequenos pedaços gerenciáveis e atacarmos essas frações de desafios que compõem o problema, teremos a sensação de controle, evolução e progresso. Ganharemos pequenas recompensas que nos motivam e ajudam a seguir em frente. A microação é poderosa até em sua própria aplicação. Temos uma inércia natural em relação ao início de uma tarefa, e há indicações de que os primeiros 5 minutos de foco são determinantes para alteração desse estado mental. Segundo a neurocientista Dra. Faye Begeti em entrevista recente para [3] Exame, esse pequeno compromisso nos ajuda a superar a barreira inicial da inércia e ativa o impulso necessário para seguirmos em frente. Segundo o artigo, e de acordo com a ciência, a repetição diária desse padrão transfere o comportamento do córtex pré-frontal para os gânglios da base, área do cérebro que armazena hábitos automatizados. Tal mudança evita o desgaste com processos decisórios do cérebro e permite que a rotina seja sustentada com menos esforço consciente.
A consistência de pequenas ações e hábitos é transformadora a longo prazo. Se podemos aprender milhares de palavras após um ano praticando Duolingo por 5 minutos, imaginem o quanto o nosso corpo ganha com a prática de 6 a 10 exercícios físicos diários. Movimentos simples, que podem ser realizados no chão em qualquer espaço, como flexões, prancha, agachamento, entre outros, considerando as variações e supervisão adequadas para cada pessoa e idade. Pensem o quanto podemos melhorar nosso bem-estar meditando por ao menos 5 ou 10 minutos por dia. O quanto podemos aprender lendo artigos ou livros por 20 minutos, cada dia. Imaginem o potencial impacto positivo de escutar pessoas da sua equipe por 25 minutos diariamente, de trabalhar em um hobby durante mais 20 minutos, ou de praticar duas ou três canções em um instrumento musical todos os dias. Seja qual for a ação ou microatividade, podemos estar sempre evoluindo e nos beneficiando ao manter a regularidade. Considerando todos esses exemplos mencionados de microdedicação e tarefas, não chegamos a usar uma hora e meia do nosso dia. E ao final de um ano, os resultados e benefícios serão significativos.
Gradativamente, o tempo dedicado a uma atividade ou outra de maior interesse e importância em nossas vidas pode ser ajustado; o que deve ser preservado é a consciência de que a transformação se inicia no micro e se realiza com a consistência. Não que seja simples e fácil, no dia a dia, em meio a múltiplas tarefas profissionais, caseiras e pessoais, diante de diferentes emoções e do cansaço, até uma lição de dois minutos no Duolingo ou a leitura de um pequeno artigo de seu interesse podem ser sabotados. Somos constantemente interrompidos – pessoalmente, por mensagem, por telefonemas, por notificações do Instagram – e saber se afastar de ruídos ou distrações quando necessário, reservando blocos de tempo no seu dia e criando ambientes favoráveis para suas atividades, também faz parte dessa equação. Porém, a aplicação e manutenção de micro-hábitos e ações, apesar de sua simplicidade aparente, se tornam grandes aliadas no processo de superação dos desafios, impactando positivamente a regularidade, a mudança e o resultado desejado. A própria ideia de um mundo melhor ou utopicamente ideal se inicia a partir de uma mudança em cada indivíduo. Se cada um se propor a melhorar um pouco em diferentes aspectos da vida a cada dia, seja nas relações amorosas, profissionais ou pessoais, na forma como cuida de si e dos que estão à sua volta, por exemplo, os efeitos a longo prazo serão transformadores, para cada pessoa e para o mundo. Esse conceito de melhorias contínuas vem da filosofia japonesa Kaizen, que significa “mudança para melhor”, desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, foi um ex-ciclista e treinador britânico, Sir David Brailsford, que, influenciado por essa filosofia e por teorias desenvolvidas para melhoria de negócios e manufatura, popularizou esse princípio japonês ao desenvolver e aplicar a abordagem conhecida como “marginal gains“. Essa abordagem considera melhorias de 1% por dia em todos os aspectos que afetam os atletas, como, por exemplo, questões ligadas à alimentação, ao sono, aos equipamentos, ao preparo físico de cada competidor, ligadas ao estado psicológico, à saúde e ao bem-estar em geral de cada ciclista de forma minuciosa e fragmentada. Engloba cuidados com pressões e desafios pessoais, assim como possíveis melhorias no ambiente familiar e profissional dos atletas. Em 2003, seu método levou a equipe britânica considerada mediana na época para o mais alto patamar do esporte. Conquistando muitas medalhas olímpicas e títulos mundiais. Mais tarde em sua carreira, a atuação de Brailsford como treinador de sua própria equipe de ciclismo de estrada e a sua abordagem, contribuíram para a primeira conquista de um britânico (Bradley Wiggins) no Tour de France em 2012.
O começar pequeno é grandioso. Existe um ditado antigo, frequentemente atribuído ao filósofo chinês Lao Tzu , que diz: “Uma jornada de mil milhas começa com um único passo”.
Somos feitos de hábitos, bons ou ruins, e a nossa mente está sempre buscando a economia de energia. Muitas ações que realizamos no dia a dia são automáticas, como escovar os dentes, tomar banho, dirigir ou fazer o café. Uma vez que uma atividade se torna um hábito, consome menos energia, devido fundamentalmente, mas não exclusivamente, à transferência do comportamento para os “gânglios da base”, conforme vimos anteriormente no parágrafo em que menciono o artigo da revista Exame. É comum escutarmos que criamos um hábito em 21 dias; porém, uma pesquisa seminal conduzida por [1] Phillippa Lally e sua equipe na University College London, publicada em 2010 (baseando-se em dados coletados em 2009) no European Journal of Social Psychology com o título How are habits formed: Modelling habit formation in the real world , indica que um hábito pode ser criado entre 18 a 254 dias dependendo dos indivíduos e do hábito específico, e que, em média, leva cerca de 66 dias para um novo comportamento se tornar automatizado. Apesar da média apresentada pelo estudo, cada indivíduo tem uma jornada com dificuldades e conquistas únicas, que demandam auto-observação e paciência. Compreender o próprio ritmo e saber responder a ele faz parte do processo de construção de um hábito longo e estável. A força de vontade e a consistência são fundamentais nessa jornada e o autor de Mini Habits, Stephen Guise, defende que a solução para manter a consistência e a força de vontade está nos mini hábitos. Voltando ao exemplo das 80 flexões, se colocar como objetivo uma meta de três, fará tão pouco esforço que não afetará sua força de vontade e motivação. Com uma meta extremamente fácil, pode até acabar superando o objetivo inicial realizando oito ou dez flexões com orgulho. A filosofia de que pequenos hábitos podem levar a grandes transformações é amplamente apoiada por vários autores e pesquisadores contemporâneos além de Stephen Guise, como; James Clear, autor de Hábitos atômicos, BJ Fogg com seu livro Tiny Habits e Robin Sharma com suas ideias que enfatizam a importância de uma rotina matinal consistente construída a partir de pequenos hábitos para transformar a vida, exploradas em seu livro O Clube das 5 da manhã.
Há técnicas e gatilhos psicológicos que nos ajudam com a construção de micro-hábitos, motivação e regularidade, como por exemplo, deixar a roupa da ginástica separada na cômoda antes de dormir ou separar qualquer outro material esportivo no dia que antecede a prática. Um surfista que se propõe a acordar às 6h da manhã para entrar no mar e praticar o esporte, poderá dormir e acordar mais motivado e comprometido com a atividade se deixar os equipamentos organizados na noite anterior. Assim como manter a mesa de trabalho organizada pode nos dar mais prazer e motivação para nos sentarmos e iniciarmos a jornada profissional. O ambiente nos impacta e utilizá-lo a nosso favor é interessante e poderoso. Pode não apenas fazer bem, mas também minimizar riscos de sabotagens. Uma despensa e geladeira com comidas saudáveis aumentarão sua chance de se alimentar de forma saudável. Se encher sua despensa de biscoitos, chocolate e ter comidas processadas no freezer, é isso que vai acabar comendo. Caso valorize uma alimentação saudável, a batalha se inicia no mercado, e se sair de lá com a vitória levando bons alimentos para casa estará construindo um ambiente a seu favor.
De acordo com Stephen Guise em seu livro Mini Habits (2013), um estudo psicológico de 2013 indica que os pensamentos ganham força e presença quando são escritos. Essa menção é baseada em estudo conduzido pela [2] Dra. Gail Matthews, professora de psicologia na Dominican University of California, em 2010. Os participantes desse experimento que escreveram seus objetivos alcançaram uma taxa de sucesso 42% maior do que aqueles que apenas pensaram neles. O estudo foi expandido em publicações de 2013, que foram revisadas pela American Psychological Association Journal. Portanto, documentar seus mini hábitos e dar atenção a isso se torna outra estratégia favorável. O Duolingo, por exemplo, tem um rastreamento embutido em sua aplicação, pois documenta seu progresso. Relógios digitais de corrida e suas aplicações também. Os praticantes que observam e analisam seus dados e histórico de corridas podem aumentar a força e a presença desse hábito e, consequentemente, a chance de mantê-lo ativo. Sejam anotações pessoais e/ou dados automatizados acompanhados, atualizados e analisados com frequência, tal envolvimento ajuda a entrar e se manter no jogo. E o jogo da vida, assim como o Duolingo, é no dia a dia, na consistência, na força de vontade e na motivação perante as adversidades. Ao fragmentarmos problemas, sonhos ou objetivos e começarmos algo pequeno, maximizamos as chances de vencer o nosso próprio jogo, seja ele qual for.
Fontes:
Livro “Mini Habits” de Stephen Guise (2013):
Acesso: Disponível na Amazon em formato e-Book ou físico: www.amazon.com
Há uma versão em português: “Mini Hábitos” (editora Gente, 2015).
[1] Artigo Científico Principal:
Lally, P., van Jaarsveld, C. H. M., Potts, H. W. W., & Wardle, J. (2010). How are habits formed: Modelling habit formation in the real world. European Journal of Social Psychology, 40(6), 998–1009.
Link Acessível: onlinelibrary.wiley.com
(disponível via Wiley Online Library; pode requerer acesso acadêmico, mas há resumos gratuitos e versões PDF em repositórios como ResearchGate).
[2] Estudo de Gail Matthews (2010/2013):
Acesso: Resumo gratuito no site da Dominican University: www.dominican.edu
Artigo completo via Google Scholar.
[3] Link Acessível: https://exame.com/carreira/neurocientista-criou-uma-regra-de-5-minutos-que-ajuda-a-manter-o-foco-mesmo-sob-pressao/
Livro “Atomic Habits” de James Clear: Capítulo que referencia Brailsford (páginas 13-15 na edição em português). Disponível em: www.amazon.com.br
Harvard Business Review: Artigo sobre aplicação de marginal gains em negócios, citando Brailsford. (2015).
Link Acessível: https://hbr.org/2015/10/how-1-performance-improvements-led-to-olympic-gold